AMÁLGAMA


explorando gemidos, nó da língua
a voz é rastro
carne é embaraço
submundo de não homens

abandone-se e carnifique-se
se alimente dos fluídos
dor e prazer são reflexos
do suor que pinga dos corpos

aquoso tempo se deleita dos pés ao ventre
pecado indomesticável, angelical
minha pele, sua capa lascívia

respiro seu folego
engulo teu corpo
te dou meu ar
entrego-te minha carne

erupção concomitante, a sina
desbravadores de universos úmidos
fundidos, entrelaçados, unificados

vulnerabilidade obsessiva
sem inocência ou santidade
entre um trago e o beijo
a maça mordida guardada para depois

se não é fervor, desordem obstante
vício, artifício
doses pequenas ou cavalares
entorpecendo-nos do mundo

que o tempo deixe-nos em paz
nunca acabe o que é tão bom
lucidez vaidosa se espalha
insaciáveis caçadores de quimeras

odor perfumante expelido
atiça desejo, desenfreio
como aroma suave em recompensa
dos agitos harmônicos de nossa hedonia

tocar, ousar molhar
um templo afrodítico sob cordas bem apertadas
a pedra de gelo conquista as extremidades
e o gemido acentuado enfeita a trama

não há mundo ao redor
somente nós e os nós atados
declarações ao pé d'ouvido
grunhidos de desespero orgasmico

apetite etéreo
impregnado no torso imanente
infinitivo perpétuo de espectro raro
atravessando a via láctea pela boca

liberte-se por meio de mim
entregue tudo de si
devora tudo que dou
serei como banquete à você

um febril universo desfolhado
no tempo da saliva
frutífera desordem, misteriosa
tua nuance, meu fôlego

ambos em cada um no outro
plural na singularidade
consciência paradoxal
desertantes do eu

tempestade ensolarada
chão de estrelas cintiladas
ser teu pão, teu vinho e tua caminhada
não basta

fuja de mim ansiedade
expulso toda e qualquer distração
sem demônios a aterrorizar nas sombras
sucumbam à luz que nasce de nós

um casulo para dois
há de ser verão todos os dias
enquanto a rima se dissipa
nas curvas perigosas da visão

admiramo-nos vestidos de suor
apreciamos cada imperfeição
que torna-te perfeição
em toda tua plenitude

as mãos estesiadas, perdidas
submersas na aurora avassaladora
lençóis denunciam o ritmo, ardor multiplicado
seres ancorados num inextinguível deleite

espasmos e visão turva
respiração perdida
corações como tambores tribais

o som do atrito deu o tom
o sabor pulou a memoria
e alojou-se na garganta

toma-me como retsina
comerei de tua romã
Campos Elísios e Éden somos

O fim do mundo é uma fissura
que não existe
Lucidez de marinheiro

carinhos, juras, encanto
brasa inesgotável
recorte soberano de corações boêmios
insaciáveis, eis que somos
explorando gemidos
o nó da língua

Anie Francis e Jota SG

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